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Estrelado por Lady Gaga e Adam Driver, Casa Gucci segue a família que carrega o nome de uma das marcas mais famosas do mundo, retratando especificamente o período em que os membros entraram em conflito por poder e dinheiro. Na trama, acompanhamos Patrizia Reggiani, uma jovem mulher que trabalha para a empresa de transporte do pai e inesperadamente conhece Maurizio Gucci, um dos herdeiros da grife. De mundos socialmente diferentes, Patrizia e Maurizio começam a se relacionar e a jovem é apresentada ao pai do namorado, Rodolfo Gucci (Jemery Irons), que desaprova a relação.
Bancado pelo pai como todo jovem rico, Maurizio perde todos os privilégios financeiros após ser deserdado por Rodolfo por decidir se casar com Patrizia. Porém, o distanciamento familiar não dura muito tempo. Aldo Gucci (Al Pacino), tio de Maurizio e o empresário da família, vê na clara ambição de Patrizia a oportunidade perfeita para devolver o sobrinho para o ambiente familiar — e, claro, para a empresa.
A partir daí, acontecem inúmeras tentativas de traições, maquinações, um assassinato e muito melodrama carregado de um sotaque falso que beira a divisa com Terra Nostra. Dirigido por Ridley Scott, Casa Gucci é baseado no livro homônimo da jornalista Sara Gay Forden, que relata com detalhes a história da família e da marca. Porém, os roteiristas Becky Johnston e Roberto Bentivegna não souberam organizar o vasto material e torná-lo envolvente para fins dramáticos — existem diferenças significativas entre a construção narrativa de uma biografia e uma cinebiografia.
Com duração de quase duas horas e quarenta, a sensação é de assistir uma novela inteira de uma vez, sem pausa para respiro. Ainda que tenha inicialmente acreditado que me incomodaria muito mais com a longa duração, um dos grandes problemas de Casa Gucci é a direção monótona de Scott, que nunca parece encontrar o ângulo certo para apoiar a história.
Entre os conflitos da família — o filme dá destaque para uma longa subtrama protagonizada pelo exagerado Jared Leto como Paolo Gucci, primo de Maurizio — e o casamento malfadado de Patrizia e Maurizio, as inúmeras tramas e subtramas que, em tese, se conectariam na disputa pelo poder da empresa, deixaram a história sem um foco.
Afinal, qual é a trama principal de Casa Gucci? A família que enriqueceu com o próprio negócio? A complexa relação de discuta de poder entre os membros na era das aquisições corporativas? Uma forasteira interesseira que colaborou para a destruição de uma família? Ou a história que levou Maurizio a morte?
Scott é conhecido por ser um cineasta com um método de direção rápido e objetivo, com profunda compreensão dos momentos que a direção precisa colaborar para os picos dramáticos da história. Momentos como esses podem ser encontrados com facilidade em filmes como Alien, o Oitavo Passageiro [1979], Blade Runner [1982], Thelma & Louise [1991], Gladiador [2000], Falcão Negro em Perigo [2001] e até mesmo no questionável Prometheus [2012]. Em Casa Gucci, a câmera do cineasta não entrega nenhum grande momento inspirado que colabore para dar para emoção para a trama.
Apesar dos esforços de Gaga, o filme não consegue delimitar exatamente o que Patrizia deseja, colocando a personagem em uma indefinição estranha entre a esposa apaixonada pelo marido e a mulher ambiciosa que "quer tudo". Mas o que é “tudo”? O filme não diz, preferindo empurrar Patrizia para o campo da mulher que tomou uma atitude drástica por talvez amar demais o marido — ou o dinheiro dele? Há uma indefinição incômoda sobre o que fez Patrizia chegar ao ponto de ruptura e orquestrar a morte Maurizio.
Enquanto Casa Gucci tem muita informação, falta desenvolvimento para tornar a trama coesa. Faltou o roteiro se aprofundar na personalidade de Maurizio — interpretado pelo sempre ótimo Driver — para entendermos sua transformação de um estudante de direito apaixonado por livros em um empresário gastador que não recusa a chance de passar a perna nos familiares, apesar de culpar a esposa pelas próprias ações.
Mais importante que isso, faltou desenvolver quem era aquela família além do óbvio e tornar a história da própria Gucci mais atraente do que apenas uma grande novela italiana com sotaques questionáveis.